sexta-feira, 9 de outubro de 2009

"era meu desejo conhecer o sentido e a essência do eu, para desprender-me dele e para superá-lo. Porém não pude superá-lo. Apenas logrei iludi-lo. Consegui, sim, fugir dele e furtar-me às suas vistas. Realmente, nada neste mundo preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de seer um individuo, de achar-me separado e isolado de todos os demais, de ser Sidarta! E de coisa alguma eu sei menos do que sei quanto a mim, Sidarta!"
"O fato de eu não saber nada a meu próprio respeito, o fato de Sidarta ter permanecido para mim um ser estranh, desconhecido, tem sua explicação numa única causa: tive medo de mim; fugi de mim mesmo! Procurei o Átman, procurei o Brama, sempre disposto a fraturar e a pelar o meu eu. a fim de encontrar no seu âmago ignoto o núcleo de todas as cascas, o Átman, a vida, o elemento divino, o Último. Mas, enquanto fazia isso, perdi-me de mim mesmo."



[Sidarta - Hermann Hesse. pág.54(capitulo: O despertar)]

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Os imortais - Hermann Hesse

Os imortais

dos vales terrenos
chega até nós o anseio da vida:
impulso desordenado, ébria exuberância,
sangrento aroma de repastos fúnebres.

são esparmos do gozo, ambições sem termo.
mãos de assassinos, de usuários, de santos.
o enxame humano fustigado pela angústia e o prazer.
lança vapores asfixiantes e pútridos, crus e cálidos,
respira beautitude e ânsia insopitada,
devora-se a si mesmo para depois se vomitar

manobra a guerra e faz surgir as artes puras,
adorna de ilusões a casa do pecado,
arrasta-se, consome-se, prostitui-se todo
nas alegrias de seu mundo infantil;
ergue-se em ondas ao encalço de qualquer novidade
para de novo retombar na lama.

já nós vivemos
no gelo étereo transluminado de estrelas;
não conhecemos os dias nem as horas.
não temos sexos nem idades.
vossos pecados e angustias,
vossos crimes e lascivos gozos,
são para nós um espetáculo como o girar dos sóis.
cada dia é para nós o mais longo.
debruçados tranquilos sobre vossas vidas,
contemplamos serenos as estrelas que giram,
respiramos o inverno do mundo sideral;
somos amigos do dragão celeste:
fria e imutável é nossa eterna essência,
frígido e astral o nosso eterno riso.

[Hermann Hesse - O lobo da estepe. páginas 158 e 159]