domingo, 25 de dezembro de 2011

(Charles Bukowski)

Mulheres: gostava das cores de suas roupas; do jeito delas andarem; da crueldade de certas caras. Vez por outra, via um rosto de beleza quase pura, total e completamente feminina. Elas levavam vantagem sobre a gente: planejavam melhor as coisas, eram mais organizadas. Enquanto os homens viam futebol, tomavam cerveja ou jogavam boliche, elas, as mulheres, pensavam na gente, concentradas, estudiosas, decididas: a nos aceitar, a nos descartar, a nos trocar, a nos matar ou simplesmente a nos abandonar. No fim das contas, pouco importava; seja lá o que decidissem, a gente acabava mesmo na solidão e na loucura.
                

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Abismo

 Ela caminhou lentamente em direção ao penhasco. Tinha sofrido muito e decidiu que não suportaria mais. E eu estava lá observando as estrelas -aquele curso de astronomia estava me prendendo mais do que inicialmente imaginei.
 Eu sabia que havia algo de errado. Ninguém vem aqui -motivo pelo qual me vi tão atraído por esse lugar- a essa hora da noite sem um único propósito.
 Perguntei se estava tudo bem e ela se assustou ao me ver alí tranquilamente sentado entre as pedras.
 -Não, não está. Mas de que importa? Em breve nada vai estar. Nem bem, nem mal. O que faz aqui? Achei que esse lugar estivesse sempre vazio.
 -Já faz um tempo que venho aqui diariamente observar o céu, já que por aqui a iluminação artificial é quase nula e é a primeira vez que vejo alguém. Que pretende olhando tão a fundo?
 -O que todo mundo faz quando vem aqui: dar um basta nos problemas. Ou pelo menos o que faziam. Você não é aqui da cidade, certo?
 -Não, não sou. E essa foi minha forma de resolver os problemas. Mudar. Estão temporariamente resolvidos, em breve retornarei para casa e enfrento-os.
 -Então mudar não resolve -ela me olhou com olhos tristes e levemente confusos- De que adianta?
 -Nada se resolve sozinho. É preciso lutar contra. Mudar te acalma e te dá tempo para refletir sobre o que te angustia. Dar um tempo e ficar com a cabeça fria pra resolver é a melhor solução.
 -Um tempo... E quantos mais problemas surgiriam nesse tempo? E se agravarão os já existentes.
 -Hm..Você já observou o céu hoje?
 Ela levantou os olhos e em seguida os direcionou a mim.
 -Alguma metáfora?
 -Não. Venha aqui. Encosta seu rosto... assim. Vê?
 -É lindo... Tão.. Tão mágico!
 -Sim. Tudo muito lindo. -Disse isso e me sentei sem conseguir evitar um suspiro de preocupação. Ao meu lado estava uma garota com a intenção de se jogar do penhasco a nossa frente, eu ignorava quais eram seus motivos mas, sentia que devia fazer alguma coisa. Afinal ela está sofrendo... E é uma vida! Para mim desconhecida, mas ainda sim uma vida.
 -Desculpa te atrapalhar. Te incomodar com coisas bestas. Mas as estrelas...
 -Que tem?
 -Me fizeram mudar de ideia -Levantei meu rosto para vê-la; pela luz fraca da lua vi tímidas lágrimas descendo seu rosto - não há motivos para desistir. Muito pelo contrário. Ao ouvir isso hoje, mais cedo, achei que deveria mesmo, mas deixo agora meu orgulho falar mais alto, logo ele que nunca  se manifestou.
 Como não sabia o que dizer, apenas sorri. Como assim o observar de estrelas a fez chegar a essa conclusão? Ela caminhou um pouco enquanto eu a observava, pude ouvir baixinho ela cantarolar uma linda canção. E eu a completei: "ah, minha estrela amiga. Por que você não fez a bala parar?" De algum jeito essa frase mexeu com ela, desabou no choro. Olhei para ela e me desculpei. Ela sorriu e me agradeceu pela noite.
Ela se virou e estava quase indo embora quando eu a convidei:
 -Se quiser observar o céu por aqui mais um pouco, ou até mesmo só conversar, eu estou sempre aqui. A partir das 20h.
 Ela sorriu e se foi. Não sei se voltou no outro dia. Eu fui atraído para o fundo do poço. Ou devia dizer: abismo.